Mrs. Dalloway Ă© certamente a obra mais famosa de Virginia Woolf,
e seu quarto romance, de 1925; Os Anos, seu nono e penĂșltimo
romance, de 1937. Ambos trazem em sua construção o fluxo de
consciĂȘncia, tĂ©cnica tambĂ©m pela qual VirgĂnia Ă© famosa.
Atualmente, durante a escrita deste texto, estou lendo Os Anos.
Diz-se ter sido o romance mais trabalhoso para VirgĂnia escrever.
Enquanto em Mrs. Dalloway, acompanhamos um dia na vida de Clarissa Dalloway, em Os Anos acompanhamos cinco dĂ©cadas na vida da famĂlia Pargiter. Ambos acompanham como foco narrativo a vida de mulheres. O tempo fragmentado Ă©, nos dois romances, tal como em todos os outros de VirgĂnia, o que impera.
Um aspecto que trago aqui se refere à Morte em uma passagem de cada um dos dois livros citados, e suas significaçÔes. Não menciono este elemento morte nos outros romances por não encontrar as semelhanças que encontro nas duas passagens que irei citar de Mrs. Dalloway e Os Anos.
Comecemos por Os Anos. Estamos no capĂtulo referente ao ano de 1981. Uma das personagens, Eleanor, estĂĄ passeando pela famosa rua Strand, de Londres. No inĂcio da passagem, Eleanor estĂĄ imersa na vida pulsante da confusĂŁo das ruas, no calor do sol, que fazia o corpo esquentar dentro das roupas, em meio as vozes das pessoas - a voz sĂł Ă© capaz de ser enunciada por quem estĂĄ vivo - “havia um alvoroço, uma urgĂȘncia, um tumulto de vida multifĂĄria correndo para ela”. ApĂłs nos apresentar estas imagens recorrentes ao aspecto ativo, caĂłtico e sobretudo vivo dos elementos que circundam Eleanor, Virginia cria um contraste com o que em seguida, quando Eleanor vĂȘ num jornal que Ă© comprado aos montes pelos transeuntes, que apresentam uma agitação peculiar, a palavra “Morte”. Diante da palavra, da enunciação do que ela representa, Eleanor, compra um exemplar do jornal para si onde lĂȘ que o representante do Parlamento de Londres, Charles Parnell, morrera. Diante da notĂcia, Eleanor inicialmente Ă© lançada sem aviso ao choque da notĂcia da morte de alguĂ©m, e este alguĂ©m era o representante do Parlamento de Londres. Como Ă© tĂpico das personagens de Virginia, hĂĄ a entrada num momento de profunda contemplação das sensaçÔes do momento presente. E o que Eleanor experimenta, logo apĂłs o choque da notĂcia, Ă© algo que para mim se assemelha Ă confusĂŁo do processo de absorver a consciĂȘncia da Morte com a tentativa de retornar aos aspectos vivos dos quais ela fora tirada instantes antes:
No caso de Mrs. Dalloway, a morte surge em meio a sua festa - festa que desde o inĂcio do livro Ă© planejada por Clarissa, que desde a primeira linha do romance, da-lhe impulso decidindo “ir comprar as flores ela mesma”. Sair de casa para comprar as flores Ă© tambĂ©m uma forma de dar movimento Ă vida, mais do que conter a ansiedade de uma personagem sensĂvel que darĂĄ uma festa ao fim da tarde e inĂcio da noite (fim da vida, prelĂșdio da morte). Acontece que apĂłs viver todo um dia, vendo pessoas, experimentando sensaçÔes, relembrando momentos, dando fluxo Ă consciĂȘncia, Ă noite, durante sua festa, Virginia Ă© noticiada, em tom displicente por um de seus convidados, que um rapaz conhecido cometera suicĂdio. Aqui entĂŁo, toda a tenuidade do limite que a jogaria num desequilĂbrio se quebra: "Que tinham os Bradshaw de falar em morte na sua festa?"
A morte, entĂŁo, nessas duas passagens, se mostram como algo inesperado e de confronto irremediĂĄvel. Aos vivos, pegues de surpresa, resta se apegar atarantadamente Ă Vida, como quem desvia o olhar de algo misteriosos demais, tenebroso demais, e que curiosamente estĂĄ de forma intrĂnseca ligado ao seu oposto.
Enquanto em Mrs. Dalloway, acompanhamos um dia na vida de Clarissa Dalloway, em Os Anos acompanhamos cinco dĂ©cadas na vida da famĂlia Pargiter. Ambos acompanham como foco narrativo a vida de mulheres. O tempo fragmentado Ă©, nos dois romances, tal como em todos os outros de VirgĂnia, o que impera.
Um aspecto que trago aqui se refere à Morte em uma passagem de cada um dos dois livros citados, e suas significaçÔes. Não menciono este elemento morte nos outros romances por não encontrar as semelhanças que encontro nas duas passagens que irei citar de Mrs. Dalloway e Os Anos.
Comecemos por Os Anos. Estamos no capĂtulo referente ao ano de 1981. Uma das personagens, Eleanor, estĂĄ passeando pela famosa rua Strand, de Londres. No inĂcio da passagem, Eleanor estĂĄ imersa na vida pulsante da confusĂŁo das ruas, no calor do sol, que fazia o corpo esquentar dentro das roupas, em meio as vozes das pessoas - a voz sĂł Ă© capaz de ser enunciada por quem estĂĄ vivo - “havia um alvoroço, uma urgĂȘncia, um tumulto de vida multifĂĄria correndo para ela”. ApĂłs nos apresentar estas imagens recorrentes ao aspecto ativo, caĂłtico e sobretudo vivo dos elementos que circundam Eleanor, Virginia cria um contraste com o que em seguida, quando Eleanor vĂȘ num jornal que Ă© comprado aos montes pelos transeuntes, que apresentam uma agitação peculiar, a palavra “Morte”. Diante da palavra, da enunciação do que ela representa, Eleanor, compra um exemplar do jornal para si onde lĂȘ que o representante do Parlamento de Londres, Charles Parnell, morrera. Diante da notĂcia, Eleanor inicialmente Ă© lançada sem aviso ao choque da notĂcia da morte de alguĂ©m, e este alguĂ©m era o representante do Parlamento de Londres. Como Ă© tĂpico das personagens de Virginia, hĂĄ a entrada num momento de profunda contemplação das sensaçÔes do momento presente. E o que Eleanor experimenta, logo apĂłs o choque da notĂcia, Ă© algo que para mim se assemelha Ă confusĂŁo do processo de absorver a consciĂȘncia da Morte com a tentativa de retornar aos aspectos vivos dos quais ela fora tirada instantes antes:
“Olhou para o alto e viu o cĂ©u mais uma vez. As nuvens passavam. Olhou a rua. Um homem apontava a notĂcia com o indicador. Parnell morreu, dizia. Exultava. Mas como poderia ele estar morto? Era como alguma coisa que desvanecesse no cĂ©u. (...) Atravessou Trafalgar Square. PĂĄssaros gorjeavam estridentes em algum lugar. Ela parou junto da fonte e olhou para o fundo da grande bacia cheia d'ĂĄgua. O negrume da superfĂcie se franzia todo quando o vento o dedilhava. Havia reflexos no espelho d'ĂĄgua, galhos e uma pĂĄlida nesga de cĂ©u. (...) Mas alguĂ©m que passava a empurrou. Ela virou-se. Tinha de ir ter com Delia. Delia sempre se importava. Delia importava-se apaixonadamente."HĂĄ, como se vĂȘ na passagem, uma consciĂȘncia da vida apĂłs a percepção da morte. “Parnell morrera, os jornais anunciavam”, portanto, era verdade. Lidar com a verdade da morte era possĂvel entĂŁo voltando-se para os aspectos do que a faria sentir-se viva: olhar os pĂĄssaros cantarem, ouvi-los, enquanto caminhava pelas ruas e via as pessoas conversarem, darem continuidade a suas vidas. A morte de alguĂ©m acontecendo apresenta um desequilĂbrio contrastante nos caminhos de Eleanor. Para dar continuidade a seu dia, voltar para casa, era preciso reencontrar aquela distração necessĂĄria para se viver. Felizmente, a sensibilidade de Eleanor nĂŁo Ă© atingida de tal modo que a de Clarissa Dalloway, que a leva para o conflito maior de Mrs. Dalloway.
No caso de Mrs. Dalloway, a morte surge em meio a sua festa - festa que desde o inĂcio do livro Ă© planejada por Clarissa, que desde a primeira linha do romance, da-lhe impulso decidindo “ir comprar as flores ela mesma”. Sair de casa para comprar as flores Ă© tambĂ©m uma forma de dar movimento Ă vida, mais do que conter a ansiedade de uma personagem sensĂvel que darĂĄ uma festa ao fim da tarde e inĂcio da noite (fim da vida, prelĂșdio da morte). Acontece que apĂłs viver todo um dia, vendo pessoas, experimentando sensaçÔes, relembrando momentos, dando fluxo Ă consciĂȘncia, Ă noite, durante sua festa, Virginia Ă© noticiada, em tom displicente por um de seus convidados, que um rapaz conhecido cometera suicĂdio. Aqui entĂŁo, toda a tenuidade do limite que a jogaria num desequilĂbrio se quebra: "Que tinham os Bradshaw de falar em morte na sua festa?"
“Um jovem se havia suicidado. E falaram disso na sua festa - os Bradshaw falavam de morte. Suicidado... mas como? sempre que lhe falavam de um acidente, sentia-o, logo, em si mesma; o seu vestido em chamas, seu corpo carbonizado. Jogara-se de uma janela. O chĂŁo como que subia; duras, agudas, as pedras penetravam o corpo. Ali jazia (aquele golpe, aquele golpe no cĂ©rebro!), e depois o afogamento na treva. Assim o via. Mas por que fizera aquilo? e os Bradshaw falavam aquilo em sua festa!’Diferente de Eleanor, a personagem de Os Anos, Mrs. Dalloway nĂŁo reencontra o caminho da ordem facilmente. A notĂcia da morte fora como uma gota de tinta preta sobre o leite: infectara caoticamente tudo, manchando. AcharĂĄ mais tarde conformada em seu marido, em sua filha, seus alicerces no mundo. Mas, assim como Eleanor, Clarissa Dalloway busca agarrar-se em coisas, pensamentos que a retomem Ă vida. Entretanto, o que hĂĄ Ă© o caos. O mundo ainda sentia os impactos da Primeira Guerra Mundial, que significara Morte, e essa mesma Morte, que na realidade Ă© uma sĂł - a inexistĂȘncia da vida - Clarissa nĂŁo saberia lidar, nĂŁo a desejaria, e menos ainda em sua festa.
A morte, entĂŁo, nessas duas passagens, se mostram como algo inesperado e de confronto irremediĂĄvel. Aos vivos, pegues de surpresa, resta se apegar atarantadamente Ă Vida, como quem desvia o olhar de algo misteriosos demais, tenebroso demais, e que curiosamente estĂĄ de forma intrĂnseca ligado ao seu oposto.
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