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George é um homem que perdeu o companheiro de dezesseis anos de
convívio. Esta ideia dá espaço para que imaginemos o conflito do
personagem.
Capas de A Single Man |
George é um homem adulto, homossexual, vivendo no período da
Guerra Fria, professor de Literatura. Este conjunto de elementos,
somados a perda do companheiro, que foi o amor de sua vida - "você
é um homem romântico, professor." -, poderia ser trabalhada de
diversas formas no cinema.
Em "A Single Man", Tom Ford, enquanto diretor, consegue
fazer eu conhecer o mais novo filme favorito de minha vida. O filme é
a adaptação da novela de mesmo nome, de Christopher Isherwood, de
1964. Tom, enquanto diretor, desenha a iminente bomba que destruiria
tudo de uma guerra que nunca explodiu às vias de regra, e isso nas
entrelinhas da fala de um protagonista que discursa sobre o Medo ser
sempre a maior ameaça. Esse mesmo Medo, que é grande e tem diversas
facetas, foi que, à mentalidade dos anos cinquenta, fez com que a
família de seu companheiro o privasse de ir ao seu funeral.
Descobrimos a dor de George mais por suas cenas, e pela atuação
incrível de Colin Firth, do que pelos flashbacks de seus momentos
com seu parceiro, enquanto ele estava vivo. Nos flashbacks, vemos que
oito anos de luto não foram o suficiente para que Geoge se curasse,
mas foram o suficiente para que ele decidisse o que deveria fazer da
vida até então: encerrar a sua guerra fria particular, que ficava
entre a falta de vontade de viver e o suicídio de fato, e passar a
planejá-lo da forma mais virginiana possível: minunciosa, com
cartas de instruções e de despedidas. É preciso, provavelmente,
uma frieza adquirida apenas pela convicção em se matar para poder
planejar tão detalhadamente a própria morte - não sujar os
colchões, a posição com que atiraria em si mesmo, e a possível
forma como cairia no chão. A angústia e a beleza, entretanto,
dançam juntas na tela.
Este não é um filme dramalhão. Está mais para um lamento digno
de uma bicha às portas da velhice, intelectualíssima, cuja toda
força e coragem para viver - "é hora de enfrentar mais
um maldito dia" - se foi com a Segunda Guerra Mundial, com a
nova Guerra Fria, e principalmente, com a morte de seu companheiro de
dezesseis fucking anos de convivência e amor. Outras tantas coisas
perturbam George: a beleza dos homens. Seus corpo, que afinal é
vivo, ainda deseja, embora o desejo não seja tão grande quanto a
perda das perspectivas.
Entre os homens, há um de seus alunos: Kenny, Todas as vezes que
ele aparece, assim como todas as vezes que a câmera sai da figura de
George, Tom aumenta o contraste das cores, e por alguns instantes o
filme não tem mais a temperatura fria e melancólica. Kenny me
parece a figura do jovem, do novo, do ingênuo, da, mesmo que clichê,
esperança. E está apaixonado por George, seu professor. Talvez seja
o fio de vida, a pulsão do que ainda resta para viver e descobrir de
vida que faça George não dispensá-lo como dispensa todos os outros
rapazes. E é também Kenny que, como um símbolo enganoso, uma
armadilha tanto para George quanto para o espectador, engana as
nossas expectativas quanto ao destino de George, quanto a sua
iminente morte, irrefreável: se George não morrer suicidando-se,
morrerá de um ataque do coração. George morre, afinal, como se
espera. "Tudo é exatamente como deveria ser": e o que deve
ser, aqui, não é sua morte, mas antes dela, e também após, sua
ligação sublime a seu companheiro morto, que vem resgatá-lo ao
final do filme, numa cena, como todas as outras, linda, linda, linda.
"A Single Man" também um filme sobre como seguir com a
vida, e como transformar as relações, quando se é imposta pela
morte a necessidade de transforma-las; é sobre a perda de um
companheiro de dezesseis anos de convívio; e é de fato, sobre seu
protagonista, George, ter estado só prolongando o próprio destino.
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