Em Ghost Story o fantasma de um músico recém falecido retorna para sua casa, onde morava com sua esposa. Esta não é uma história de terror, apesar do título. O artifício que David Lowey, diretor e roteirista usa para solucionar a questão, é representar o fantasma como aqueles dos desenhos animados, cobertos por um pano, com dois furos no lugar dos olhos. O filme tem um tom poético, um ar melancólico, mas sustentado por um bom ritmo, mesmo com cenas contemplativas. Ele está em todas as cenas, a maioria delas se passa dentro da mesma casa, e de todas há da parte dele apenas um único, curtíssimo, mas afiado diálogo. Logo esse fantasma vai se transformando diante de nossos olhos. Sua transformação não é concreta, mas simbólica: de fantasma do marido, de repente transforma-se no fantasma do tempo. Esse que está ao redor de todos e de tudo. A casa, afinal, é também uma personagem do filme.
A esposa, que fora o motivo de sua volta para a casa onde moravam, um dia se vai. Novos moradores chegam, mas também se vão. O tempo passa. E o fantasma permanece lá. Já não é mais pela mulher que se dá a permanência. Em um breve diálogo com o fantasma que habita a casa vizinha, isso se justifica:
"-Estou a espera de alguém.
-Quem?
-Não me lembro”
O fantasma de uma pessoa morta, ou aquilo que a representaria, em algum momento torna-se o fantasma do tempo. Este, embora tenha se tornado um fantasma em um tempo e em um lugar, permanece atravessando gerações. Cleópatra, Shakespeare, Pedro Álvares Cabral, ou mesmo Hitler, Napoleão Bonaparte, etc. Mesmo aqueles que não tem o nome cravado nos livros de história tem um lugar e um tempo. E é desse fantasma - não espírito, mas fantasma - que A Ghost Story trata.
Uma obra que aproveita bem suas influências é aquela onde sentimos uma experiência próxima das outras que a influenciaram. A Ghost Story, logo em sua abertura, traz a citação de um conto chamado A Casa Assombrada, da maravilhosa Virgínia Woolf. Diz: “A qualquer hora que se acordasse havia uma porta se fechando”. Logo que vi a citação, pausei o filme e corri para ler o conto. Não tem mais de 700 palavras e conta a história de um casal de fantasmas que anda pela casa onde moravam. O uso de imagens poéticas - a luz do sol que entra em casa e deita sobre a parede, o reflexo das árvores sobre os vidros da janela, pequenos e significativos gestos - é algo próprio da escrita de Virginia, e o diretor aproveita, trazendo junto algo do filme de Terrence Malick, A Árvore da Vida, de 2011 e Oscar de melhor Filme.
Mas há uma outra influência, e esta mais curiosa e para mim nostálgica: Beetlejuice, o filme sombrio de comédia de Tim Burton, que foi também inspirado pelo conto de Virginia, inclusive. Há mesmo algo triste na história do casal de fantasmas da comédia burtiana que David faz uso, trazendo em seu filme. Como se colocasse a questão: se os fantasmas são imortais, o que sentiriam diante do tempo que passam na solidão de uma casa abandonada?
A Ghost Story torna-se diante de nossos olhos um filme sobre a passagem do tempo. Sobre a profundidade que está bordada pelos gestos - há no filme uma cena de 6 minutos da esposa do fantasma comendo uma torta após voltar do necrotério, onde precisou reconhecer seu corpo. Em contraste, está enquadrado na outra extremidade da cena o fantasma, em silêncio, observando-a. Penso sobre cena: há uma lógica na sucessão dos fatos. Tendo ido reconhecer o corpo morto do marido, a torta que M. come não tem gosto de torta, mas o gosto intragável da morte. Não à toa, após comê-la, ela corre ao banheiro para vomitá-la. Ela, desde criança, gosta de escrever pequenos bilhetes e escondê-los, para serem achados pelo acaso em um outro tempo. E é um desses bilhetes que o fantasma a vê esconder numa das frestas da parede que ele tenta com o passar dos tempos retirar para ler. O bilhete é escrito para o tempo, e ele, o fantasma, não é mais o fantasma do marido: é o fantasma do tempo. A carta chega ao seu destino.
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